quinta-feira, 13 de novembro de 2008

O DIA QUE NÃO CHEGUEI EM LONDRES (Diário 1)


ATENÇÃO! ATENÇÃO! Mais uma do diário semanal mais lido lá pelas bandas de Londres. Direto da terra das estranhezas deliciosas! Meus caros, treze dias depois que cheguei ao Acre, tudo era novidade, tudo ainda era, no mínimo, “estranho”. Foi quando escrevi esta carta para minha irmã:

“Minha irmã querida, pode recolher o colchão da sala, tirar a água do feijão, guardar os roteiros turísticos, porque eu não vou mais para a Inglaterra. O meu dinheiro só deu para chegar à Amazônia. É brincadeira? Devo estar algemado a este país... Etâ sina! Ermã, o que deve ter dado errado? Nós tivemos a mesma educação, moramos juntos muito tempo, os mesmos pais, os mesmos parentes... por que será que você chegou em Londres e eu ainda não consegui sair do Brasil? Será que a mãe deu leite Parmalat de caixinha para você, e pra mim aqueles de saquinho tipo C? Olha, eu não sei onde erraram, mas ainda vou tirar isso a limpo... MANHÊEÊÊÊÊ!!!!!!!

Estão dizendo que isso daqui ainda é Brasil, e que estou no Acre... sabe aquele pedacinho de terra que parece o apêndice do Amazonas? Aquele que em qualquer lista de Estados brasileiros é o primeiro? Pois é, acho que estou por ali! Fala pro Gerry que eu me mudei para o primeiro Estado do Brasil. Não precisa dizer que é o primeiro só porque começa com a letra A... tem certas coisas que não precisam ser ditas.

E digo mais: vou processar os autores de todos os livros que estudei sobre a Amazônia. Falaram que aqui é chuva o ano todo, quase todo dia. O fato é que desde que cheguei, eu não vi um pingo de chuva, aliás, faz uns dois meses ou mais que ninguém por aqui vê chuva. E, mesmo assim, a primeira sensação quando saí do avião foi como se tivessem jogado uma toalha molhada na minha cara. Olha, se tudo no mundo é relativo, aqui a umidade do ar não é não... é absoluta.

E outra da série ACREdite se quiser: a cidade de Rio Branco, em plena Amazônia, tem problemas séríssimos de falta d'água. No meio do maior balde de água doce do mundo, há falta de água... é mole? E mais: aqui estamos em pleno verão! O inverno é em dezembro. Eles consideram que os meses de chuva são o inverno, e os meses de seca, o verão. Ah! O Jornal Nacional é às 6 horas da tarde... enfim, tudo é muito louco por essas bandas! E ainda insistem em dizer que isso aqui é Brasil.

E o povo acreano? Oh! delícia... nunca vi gente mais hospitaleira! A impressão que dá é que eu caí numa colônia de nordestinos no meio da floresta. Tô começando a acreditar que os nordestinos nasceram para povoar esse país. Eles estão em todos os lugares, do norte ao sul do Brasil... é impressionante! Aliás, verdade seja dita, aqui faz um calor da peste! (ops!)

Também me surpreendi com a politização do acreano. Dá até gosto! Aliás, se você se deparar com um acreano aí em Londres, pelo amor de Deus, não fale mal do Acre! Eles viram umas onças... o povo daqui ama esta terra. Você precisa ver um acreano cantando o hino do Acre... parece que estão indo para a guerra. Falando nisso, você sabe se o Rio de Janeiro tem hino? “Cidade Maravilhosa” não vale.

Ermã, uma das únicas coisas que eu sabia sobre o Acre é que aqui era a terra do Chico Mendes. Ele foi aquele líder seringueiro que ficou famoso no mundo inteiro nos anos 80, como o grande defensor da floresta e, por isso mesmo, foi assassinado. Para meu espanto, as opiniões aqui são as mais diferentes possíveis. Eu jurava que ele era unanimidade por esses lados e, no entanto, já ouvi muita gente falar horrores do sujeito. Definitivamente, o herói sempre vem do terreiro do outro.

Aliás, quem é rei aqui é o governador atual Jorge Viana. É impressionante a popularidade desse homem. Por sinal, eu o vi no último sábado aqui na EXPOACRE (é uma festa de peão de boiadeiro aqui na floresta... boi com floresta? Não entendi!). O partido da estrela vermelha aqui é muito forte. É quase que uma dinastia! Mas pelo que o pessoal fala, eles fazem um bom trabalho...

Sabe ermã, sinto que vou ser feliz por essas bandas! Que pena que estou longe dos meus, mas também, não se pode ter tudo não é? Mas pode deixar que já estou criando um posto avançado da família Cruz Mendonça aqui no Acre. Vem cá, já parou para pensar como a nossa família se dividiu? Dá até para jogar War... falando nisso, vamos começar: vou fazer um ataque suicida contra Londres... um contra dois, não quero saber! Os dados vermelhos são meus... 1, 2 e 3... e rolam os dados...

Beijos do mais novo Acreano.”

05 de agosto de 2003
Felipe Mendonça, servidor público, “ermão” da Marcela e escrivinhador nas horas vagas.

quarta-feira, 12 de novembro de 2008

APRESENTAÇÃO

ATENÇÃO! ATENÇÃO! Começa aqui o mais novo diário mensal de Rio Branco, direto de uma terra distante, terra de gente boa onde nem tudo o que parece é. O óbvio não existe no antigo Império de Galvez... a começar por esse Diário. O Diário de um Acreano é escrito por um carioca. Aliás, por um interiorano do Estado do Rio de Janeiro, também chamado de fluminense (mas como sou rubro-negro, prefiro evitar essas intimidades). Costumo até me apresentar como carioca do Acre. Mas de acreano mesmo, só tenho o coração.

Vim como muitos trabalhar por essas bandas, atrás de novas experiências, de novos amigos, de novos amores... enfim, atrás da minha vida. Literalmente, correndo atrás dela. Ainda lembro quando cheguei por aqui, no dia 24 de julho de 2003. Acabava de chegar numa terra tão improvável e tão estranha ao meu mundo, que não tinha a menor idéia do que esperar, apesar de não temer. Oras, tinha lutado tanto pra estar ali, não era o desconhecido que me poria medo. E assim foi.

Tudo era novidade, descoberta e conhecimento. No meio desse furacão de mudanças pelas quais passava, me deparei com um ambiente repleto de vida, de alegria e de camaradagem. Uma terra recheada de pessoas gostosas de lidar e de conviver. Não teve jeito: me apaixonei. O Acre se transformou no lugar onde consegui minha independência emocional e financeira, no meio de tantas outras alegrias e tristezas.

E o bom de ser errante por esse mundo é que você se liberta das âncoras que te fixam nos lugares. Família, amigos e amores me fizeram deixar pedaços de momentos felizes e inesquecíveis, mas não prenderam minha alma. Acredito que ela tem que ser livre o bastante para, inclusive ficar, se preciso for. Por isso mesmo, uma das perguntas mais difíceis que me fazem e que até hoje não tenho uma resposta sincera a dar é “de onde você veio?”. Pode parecer besteira, mas eu não sei. Costumo responder que nasci em Volta Redonda, mas não sei de onde sou. Não tenho a menor idéia. Vou pegando um pouco de cada lugar por onde passei e me construindo e desconstruindo. Só carrego lembranças e saudades... as minhas amarras ficaram pelo caminho.

E foi desse jeito que cheguei ao Acre, de coração aberto, sem “pré-conceitos” e, principalmente, com bom humor, porque parodiando o poetinha, os “mal humorados que me perdoem, mas bom humor é fundamental.” E uma das formas que descobri para matar saudades e estar mais perto dos meus, mesmo que longe, foi escrevendo. Muitos me perguntavam se estava morando numa tribo indígena, se já tinha Coca-Cola por aqui, como era andar de carroça, enfim, todas aquelas perguntas típicas de sudestinos sobre a Amazônia “intocada”.

Comecei então a escrever para meus amigos e familiares, mostrando uma imagem muito particular de como vejo o Acre e suas, como costumo dizer, estranhezas. Ao mesmo tempo em que eu desmistificava o Estado daquela imagem atrasada, meio bucólica da vida na floresta, onde tudo se resumia “apenas” na maior biodiversidade do planeta, eu remistificava para um Acre vivo, pulsante, complexo e cheio de histórias saborosas que só poderiam acontecer aqui mesmo.

O meu Acre, antes de ser real, é lúdico, uma mistura bem bolada de Clóvis Bornay, Jacque Costeau e Bussunda: a fantasia e o luxo do primeiro, a coragem e o espírito desbravador do segundo e com o humor escrachado e debochado do terceiro. Misturando isso tudo com a grande necessidade do ser humano em construir e desconstruir tradições, orgulhos e “verdades”, escrevo brincando e realçando as acreanidades que fazem desse pedacinho de Brasil, perdido na Amazônia, tão especial.

As crônicas presentes neste blog, são de agosto de 2003 a outubro de 2008, e seu inicio se deu logo após minha chegada por aqui. Eu as enviava para o correio eletrônico dos meus conhecidos e, com o certo sucesso que fez (sabe como é, né?... família grande), desde meados de 2004, as publico em um blog na internet. Ora falo de Acre, ora de Brasil, ora das minhas angústias e felicidades... enfim, o mais importante é que traço uma imagem do Acre muito particular, ora alfinetando, ora enaltecendo a terrinha, mas sempre com muito bom humor. Não tenho a menor intenção de passar uma imagem arrogante de como enxergo o meu Acre. Hoje já me considero filho da terra. Apenas me dou o direito de falar do meu Acre querido, o construindo e desconstruindo, se preciso for.

Ah! Esqueci de dizer: por favor, toda e qualquer reclamação sobre o conteúdo, terei, como princípio de sobrevivência, que colocar a culpa na Fundação Elias Mansur, a irresponsável por ter dados as condições para a publicação desse livro. Já os elogios, podem mandar para mim mesmo... minha mãe vai adorar.
Saboreiem com os olhos sempre afáveis do humor

Felipe Mendonça
Outubro de 2008